quinta-feira, 28 de novembro de 2019

O JOKER que há em cada um de nós

Não, esta não é mais uma crítica ao filme "Joker", de Todd Phillips, que está em exibição nos cinemas portugueses desde o início de outubro deste ano. Não é uma reflexão cinematográfica acerca do cenário, das luzes, dos sons e de todos os adereços usados. Nem tão pouco é um aplauso à interpretação (diga-se de passagem, excepcional!) do actor Joaquin Phoenix, que se despe de si mesmo para dar vida ao aspirante a comediante Arthur Fleck, o "Joker". Este não é só "mais um texto" acerca do conteúdo do filme. É a minha reflexão pessoal acerca da incompreensão da sociedade face às doenças mentais.

"O pior de se ter uma doença mental é o facto de a sociedade esperar que nos comportemos como se não a tivessemos" - esta foi, para mim, a mensagem essencial do thriller, com uma duração de cerca de duas horas. Arthur Fleck é um aspirante a comediante mas trabalha como palhaço de ruas nas sujas ruas de Gotham City (EUA), nos anos 80. Numa altura em que os trabalhadores do lixo fazem greve, em protesto por melhores condições salarais e lutam pela igualdade, "Joker" envolve-se em conflitos e assassinatos na cidade.

Mas, afinal, quem é este Joker? É uma pessoa comum, com um problema mental, que o faz rir à gargalhada em situações adversas. Aquilo que exterioriza não corresponde nem ao seu estado de espírito, nem à situação que está a presenciar. O primeiro exemplo é a repreensão de uma mãe, quando o vê fazer palhaçadas para o filho rir. O segundo exemplo é quando presencia uma situação de assédio entre dois homens e uma mulher. Em ambos os casos, Joker ri-se à gargalhada como se as situações tivessem "muita" piada.

Medicado pela psiquiatra dos serviços sociais da cidade, Arthur usa duas máscaras:  uma delas, pinta-a no seu dia-a-dia enquanto trabalha como palhaço, e a outra nunca a pode remover; é o disfarce numa tentativa frustrada de sentir que pertence ao mundo à sua volta, e não o homem incompreendido, cuja vida deita constantemente abaixo. 

Sem pai, Arthur tem uma mãe frágil, a sua melhor amiga, que o apelidou de Happy (Feliz), um nome que traz a Arthur um sorriso que esconde a mágoa que sente verdadeiramente. A mãe sempre lhe disse que o seu propósito era o de fazer os outros rir. Então e ele? Como se sente? Mesmo destruçado, onde vai buscar forças, energia e disposição para fazer os outros rir? Quem o faz rir a ele?

Adulto com uma infância marcada pela violência, pelo abuso e pela agressão, Arthur sente-se deslocado da sociedade a que pertence. Episódios como a intimidação por adolescentes nas ruas, insultos por “engravatados” no metro ou provocações pelos seus colegas palhaços no trabalho, agudizam esse sentimento.

Com a ânsia de se tornar bem-sucedido, tenta a sorte como comediante de stand-up, mas acaba por descobrir que a sua vida é uma piada. Preso numa existência cíclica que varia entre a apatia e a crueldade, uma má decisão acarreta uma reação de acontecimentos imprevisíveis neste estudo de personagem sombrio e alegórico. 

"Joker" é a gargalhada irónica de uma vida dramática, trágica, e que vai muito além do que está visto. Muito além do seu universo original, em que dá vida ao tal vilão da DC.
Pena? Empatia? Repulsa? Compaixão? - uma miscelânea de emoções me assaltou durante e no fim do filme, com o riso de Arthur, na minha cabeça, além do ecrã. Ninguém nasce "mau". Há razões muito mais profundas, que ninguém vê, que ninguém sabe, que nos fazem ser e agir como somos e agimos hoje. Antes de julgar, conheçamos as razões que contribuem para que cada um de nós seja o que é.

É por isto e por tudo o resto, que este é um filme "de pessoas sobre pessoas".