segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Vida do músico moçambicano Chico António inspira “A história do João Gala-Gala”

"A história do João Gala-Gala" foi a obra apresentada no Centro Cultural Português em Maputo na quinta-feira, 26 de Outubro. Trata-se de um livro infantojuvenil que, em tom autobiográfico, retrata a história de vida do músico moçambicano Chico António.

Foi com “casa cheia” que foi apresentada a obra que “narra a aventura de um rapaz que viaja do campo para a cidade onde semeia amigos e histórias e recolhe sons e harmonias com que mais tarde comporá as suas canções”, como pode ler-se na sinopse do livro.

Crianças a assistir à apresentação do livro
Pedro Pereira Lopes, um dos autores afirmou que esteve “a reflectir na forma como o livro podia ser um exemplo para os meninos de rua”. Constatou que “provavelmente os meninos de rua não terão acesso ao livro, ou sim, se a escola portuguesa tornar o livro acessível às escolas moçambicanas através das parcerias que estabelece com esses centros educacionais”. Este pretende ser um exemplo de coragem para todos os meninos que estão na rua, já que “é uma história bastante local mas tem uma dimensão universal”, frisou o mesmo.

Chico António e Ana Mendes
O músico moçambicano Chico António falou da sua passagem do campo para a cidade e das dificuldades a ela associadas “a primeira dificuldade foi a língua porque eu não falava português, sim changana. Foi muito difícil para mim comunicar. A segunda dificuldade foi que quando eu pedia algo para comer as pessoas batiam-me. Durante dois anos foi um pouco difícil”, disse. No entanto, “pelo caminho houve uma senhora portuguesa que me adoptou e pôs-me a estudar e, a partir daí, a vida começou a melhorar até hoje.”

Aconselha todos a “aproveitar as oportunidades. Podemos ser meninos de rua, mas também podemos ser presidentes ou ministros. Depende da forma como agarramos essas chances, com muita força, alegria e sabedoria”, sublinhou.

Foi Luís Cardoso quem ficcionou a história em tela, dando à “história as cores de um cenário fantástico onde o ocre do campo se a mescla com as luzes da cidade e dos seus múltiplos meandros”, como se pode ler na sinopse. “O livro em si foi um desafio, pelo facto de ser biográfico e sobre um artista que eu admiro muito, o Chico António”, destacou acerca do processo de produção. “O texto tem uma carga dramática muito grande e a imagem tem, também, de transmitir essa carga. Fiz os possíveis para que, através da imagem, o livro pudesse ser contado”, acrescentou.

No fim deixou algumas palavras de reconhecimento à EPM-CELP, pois, “aquilo que a escola portuguesa está a fazer é exemplar em termos da divulgação e da promoção da literatura em Moçambique, de novos escritores moçambicanos”. 

Frisou a importância da exigência colocada em cada um dos trabalhos, em “termos gráficos porque o mercado é exigente, portanto este sector é importantíssimo, principalmente quando se quer fazer de um livro um objecto de que se goste, que se queira ter”. Disse ainda que é “importante aprender a ler e a interpretar um texto tal como é interpretar a imagem. Aliás, estes dois campos complementam-se e potenciam-se”.

Dramatização da história pelos alunos da EC Unidade 23
A história foi dramatizada por alunos da Escola Completa Unidade 23, através de danças e teatro, sob a coordenação da Associação Iverca, ambas com sede em Maputo.

O livro é o 13.º lançamento da colecção infantojuvenil da Escola Portuguesa de Moçambique, através do Centro de Ensino e Língua Portuguesa.

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

“Emigrar torna-nos seres humanos melhores”

Natural de Pombal e com 28 anos de idade, Catarina Domingues já leva na bagagem uma experiência de vida rica. Há um ano e meio mudou-se para Maputo e é Terapeuta da Fala na Escola Portuguesa de Moçambique – Centro de Ensino e Língua Portuguesa (EPM – CELP).

A oportunidade de viajar para Moçambique surgiu numa altura em que trabalhava em situação pouco estável na Lousã: “lembrei-me de uma amiga que tinha vindo para África e falei com ela”, conta a terapeuta. 

Decidiu tomar uma “decisão muito radical” no ano lectivo 2015/2016 e mudou-se em Agosto de 2015 para Maputo. “Lido com a imprevisibilidade de algumas situações num país em desenvolvimento”, afirma.

Apesar de não saber até quando vai ficar,
acredita que é necessária na escola, sendo
a única Terapeuta da Fala na EPM – CELP
e uma das poucas na capital de Moçambique. “Explicar o que é um terapeuta da fala e envolver as pessoas no meu trabalho contribui para que cada um dos meus dias tenha sucesso”, diz.

Entre os motivos que a fazem ficar estão
o clima e a diversidade cultural da capital moçambicana. Se, por um lado, os valores climáticos mais baixos que conhece foram 12 graus à noite, por outro, é a primeira vez que trabalha com alunos “que contactam com diversas línguas e dialectos”.

Em Portugal deixou a família e a memória de ter “uma rede de pessoas” mais disponível para a “ajudar a resolver problemas, nomeadamente em termos de casa”. As acessibilidades, nomeadamente aos bens alimentares, e a melhor relação “qualidade-
preço” no país-natal são aspectos que não esquece. 

Diz que “não há um perfil de emigrante” e pensa que “não é preciso ter pré-requisitos para emigrar”. Lembra que é importante a pessoa “afastar-se dos padrões a que estava habituado e chegar com a mente aberta ao país de acolhimento”. Só assim é possível “partilhar e receber experiências e formação bem como relativizar tudo o que acontece”.

O melhor por cá
O clima e a diversidade cultural são os dois aspectos mais positivos.

O pior por cá
A relação qualidade-preço dos alimentos é um dos aspectos mais condicionantes do quotidiano.

O mais surpreendente
O desafio profissional que a profissão exige. “Vejo-me como embaixadora da Terapia da Fala num país estrangeiro em que há um percurso para ser trilhado”, destaca.

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

“Devemos procurar o equilíbrio para atingirmos os nossos objetivos”

Tem 32 anos de idade e uma vontade de viver avassaladora. Depois de sete anos de interregno no desporto, a atleta olímpica Vanessa Fernandes regressa ao triatlo com forças renovadas. Esta é a “nova vida” que está a construir de raíz. É com determinação, persistência e força de vontade que a atleta encara o futuro. Com a sua alegria e com o seu exemplo de vida quer inspirar novos “campeões”.

Ana Mendes (AM) - Como está a nova Vanessa Fernandes? Esta é a segunda vida da atleta?

Vanessa Fernandes (VF) - Penso que a Vanessa Fernandes está a encontrar-se cada vez mais, com uma maturidade diferente, com experiências diferentes e está cada vez mais a encontrar o seu equilíbrio. Esta “nova vida” e esta nova carreira estou a construí-la de raiz, completamente. Tudo o que é construído de novo… estás à procura de para onde vais, para onde tens de ir, estás sempre à procura de equilíbrio, tens medo de avançar, tens medo de fazer… Essas situações todas acontecem, mas estou a ir em frente, estou a ser empurrada pela vida e estou a aceitá-la. É disso que se trata: aceitarmos o momento em que estamos, sabemos usufruir dele e sabemos agarrar as ferramentas que temos e construímos o nosso futuro e a nossa carreira. A Vanessa está grata por aquilo que tem, está grata por aquilo que teve e está a agarrar tudo o que tem agora para construir uma nova carreira.  

AM - Que apostas está a fazer em termos desportivos?

VF - Estou no triatlo. Estou a fazer algumas distâncias diferentes… Há vertentes diferentes no triatlo, iniciei-me agora na longa distância, como o IRON MAN, com distâncias maiores. O último que fiz consiste em 1900 metros a nadar, 90 de bicicleta e 21 de corrida. Foi uma experiência muito boa e eu identifico-me com essa distância. Quero voltar a fazer novamente.

AM - Que objetivos ainda tem por atingir?

VF – Neste momento não penso muito em resultados. Apenas penso em trabalhar e em fazer aquilo que tenho a fazer todos os dias, penso em estar no meu equilíbrio, penso cada vez mais em me encontrar… Penso e tento sentir que faz sentido na vida e em estar cá… A nossa vida não consiste só em resultados para nós, consiste em muito mais do que isso. Claro que vai chegar a um ponto em que eu me vou preparar para uma prova e se calhar tenho um resultado que quero atingir em mente.

AM – Que prova é essa?

VF – Não sei, isso vai depender das provas que vou fazendo e dos treinos que fizer. Para o ano irei ter campeonatos da Europa, campeonatos do Mundo… Vou fazendo e vou explorando o que quero fazer e o que eu quero realizar, por isso é “deixar-me ir”.

AM – Quantas horas por dia treina?

VF – Depende, quando estamos a colocar muita carga horária pode chegar a seis horas diárias... Cinco ou seis horas; não mais do que isso.

AM - Apadrinhou a corrida solidária da associação HELPO. Viu jovens atletas moçambicanos interessantes? Se houvesse investimento o atletismo moçambicano podiam criar-se grandes atletas?

VF – Sim, mas muito mais do que grandes atletas podem-se criar grandes seres humanos. Eu acho que as pessoas vêm sempre muito o desporto para resultados e eu vejo muito o desporto como um veículo para se realizarem obras grandes na humanidade. Consiste em construir seres humanos bons que sabem o que realmente querem e qual é o valor de estarmos aqui, de estarmos todos juntos dentro desta “bola gigante”.

Eu vi ali atletas com um grande potencial de correr, isso vi, e se eu pudesse ter um complexo que desse para ter os alunos, atleta e, ao mesmo tempo, ter uma escola lá dentro e terem apoio a todos os níveis, tanto emocional, como psicológico, tudo, em que se criasse um sistema de base de vida deles, isso era um sonho.

AM – Não a chocou ter visto atletas descalços?

VF – Eu quando vi aquilo deu-se uma coisa… ESPETÁCULO! Achei que é uma força enorme de ligação à terra espetacular. Ver miúdos daquela idade… Eu acho que os miúdos devem ter esse contacto com a terra, devem ter esse contacto de andar descalços, devem ter isso… Mas claro que me choca ver miúdos a sair dali e estarem com umas sapatilhas todas rotas, umas sapatilhas que devem ter encontrado na rua… Isso depois choca-me. O que transmite ver eles a correrem no relvado ou na pista descalços, eu acho bonito. Transmite-me muita força, muito poder, muita pureza.

AM -  Gostaria de conhecer o Moçambique profundo? O que pensa de Maputo?

VF – Gostava muito de ir ao Norte para conhecer o verdadeiro Moçambique. Pelo que dizem aqui é mais cidade… Em fevereiro ou março tenho viagem marcada para ir até lá.
Eu gosto de Maputo. Na minha opinião é uma cidade que está em processo de evolução e desenvolvimento. É preciso ter alguma paciência, é preciso aceitar a situação que é e trabalhar nela, ter esperança e fazer tudo para que um dia, nesta cidade, não se veja lixo no chão, o mar com uma cor cinzenta… que vejas cor na própria cidade porque Moçambique é cor, Moçambique é alegria, Moçambique é força, Moçambique é cheio de cor, de beleza, não é lixo, não é poeira. Moçambique não é isso e há que transportar essa visão para esta cidade. Eu acredito que algum dia ela vai ser assim. Acredito muito nisso!  

AM - Hoje em dia os portugueses ainda se lembram da medalha de prata que conquistou nos jogos olímpicos de 2008 na prova de triatlo? O que é essa medalha mudou na sua vida?

VF – Essa modalidade foi sempre aquela pela qual optei. Escolhi sempre o triatlo até ganhar a medalha. Depois parei durante uns tempos… Em 2016 fui aos jogos na maratona  do Rio de Janeiro e isso despoletou a vontade de querer voltar ao triatlo, de querer praticar novamente a modalidade e fazer mais uma época e construir uma nova carreira nesta modalidade. É por causa disso que estou cá novamente.

AM - A recente vitória do "Iron Man Portugal" significa que vai começar a apostar nas provas de longa distância?

VF – Significa que vou apostar em algumas porque me identifico muito com a distância e com a maneira como tem de se fazer aquela prova; de gerir, de nos superarmos de vez em quando, de aceitarmos a dor, de passarmos a dor, de passarmos pelo sofrimento, de acreditar que de um momento para o outro tudo está mal mas pode ficar bem… É isso que faz uma prova daquelas ser tão bela e tão única.

AM – Foi o desporto que a escolheu ou foi a Vanessa que escolheu o desporto?

VF – Nem sei… Acredito muito que nós já vimos para aqui com escolhas feitas. Ainda estou a descobrir, mas acredito nisso. Tanto família como o resto fui eu que escolhi. Vendo dessa forma, fui eu que escolhi o desporto. Não foi o desporto que me escolheu porque não tem esse poder sobre mim. Fui eu que o escolhi.

AM – Porquê o triatlo e não outro desporto qualquer?  

VF – Eu pratiquei muitas modalidades; atletismo, natação, andebol… Mas o triatlo foi aquela em que eu me senti completa a fazer, acreditei e confiei que era boa naquilo que fazia. Fez-me ser melhor do que aquilo que eu esperava.

AM – Se não fizesse do desporto a sua vida, qual seria a sua profissão?

VF – Em termos de profissão… Há várias que eu se calhar faria: uma delas era médica, ou terapeuta emocional… Algo do género. Apostava nisso e guiava-me por aí.

AM – Que conselhos quer deixar a futuros campeões?

VF – Todos somos campeões. Aconselho a que todos encontrem o seu ponto de equilíbrio em tudo o que façam. Não é por causa de seres campeão do mundo, de teres muito dinheiro ou por seres famoso que vais ser feliz, ou ter equilíbrio na tua vida. Não é por aí o caminho. O caminho é saberes ter uma vida equilibrada em vários aspetos porque tudo faz falta e tudo faz parte da própria vida. Foi isso que nos foi dado e há que saber respeitar a todos os níveis.