Foi aos 48 anos de idade que Raquel Silvestre decidiu sair de Portugal para realizar um sonho de adolescente: rumar a África e abraçar uma missão humanitária. Largou tudo o que tinha: família, emprego fixo e casa própria para partir à descoberta do desconhecido. Correu mal, mas Raquel não desistiu à primeira: faz trabalho voluntário, trabalha como relações públicas num bar conceituado e não tem data de regresso a Portugal marcada. Motivada por um sonho de que não prescinde, a voluntária entrega-se, todos os dias, de alma e coração às "crianças, jovens e seniores que não têm nada".
Qual é o seu nome completo?
Raquel Maria Castanheira e Costa Silvestre.
Quando e onde nasceu?
Nasci em Lisboa, na freguesia de Nossa Senhora de Fátima, a 24 de Abril de 1969.
Qual é a sua actividade profissional/área de formação?
As minhas principais áreas de formação são
saúde e educação.
Quando decidiu escolher Moçambique para viver e trabalhar?
Escolhi como destino Moçambique no início de
2017!
Que factores determinaram essa escolha?
Um anúncio a pedir missionários para Moçambique!
Porque razão decidiu deixar o seu país Natal e rumar a um continente
desconhecido?
A missão humanitária! O que mais gosto de fazer. Um sonho de
adolescente e com certeza o que me realiza mais.
Do que mais sente saudades no seu país Natal?
Da minha filha, embora esteja a estudar na
Alemanha, mas vai voltar para Portugal, da minha mãe, do meu gato, da família e dos amigos!
Qual é o seu ramo profissional actual?
Não vim para África com o objectivo de ganhar
dinheiro, mas só fazer trabalho humanitário...vim para uma instituição, com
cariz religioso, onde ficou bem claro, em Portugal, que eu nunca iria
participar nos rituais religiosos nem nunca me iria converter, que me garantia
alojamento, alimentação e saúde!
Contudo, começaram a desestabilizar-me emocionalmente devido ao que eu vestia e porque dançava, mesmo reconhecendo que eu era
um elemento muito válido!!
Foi muito complicado gerir os meus
sentimentos nessa altura.
Tive uma grande vontade de denunciar a instituição
e mostrar o que lá se passava, com vídeos que fiz, mas cheguei à conclusão que
as dezenas de crianças órfãs dessa instituição acabavam por perder muito se o fizesse. Então
saí da instituição, continuei a fazer trabalho humanitário, mas como tive de
começar a pagar renda de casa e alimentação, tive mesmo de trabalhar para ter
dinheiro para me sustentar e felizmente tive um convite maravilhoso, para
trabalhar numa empresa, de renome em Moçambique, para ser gerente/relações
públicas, num bar de praia que adoro.
Se voltasse atrás faria as mesmas escolhas? Porquê?
Exactamente a mesma coisa!
Do que mais gosta em Moçambique? E em Portugal?
Se calhar escolheria melhor a instituição e
assinava um contrato com todas as condições escritas, que foi o que não fiz!
Saí de Portugal, despedi-me e arrendei a minha
casa, confiando que a instituição era credível e que realmente punham
os interesses das crianças em primeiro lugar, mas não!
O que mais gosto em Moçambique é da descontracção e do clima. Em Portugal, o que mais gosto é do aconchego da família
e dos amigos.
Quais são os seus planos futuros? Ficar por Moçambique ou regressar a
Lisboa? Porquê?Os meus planos para o futuro, neste momento, passam por ficar em Moçambique! Sinto-me muito realizada!
O que diria a um candidato a emigrante?
Diria que teria de estar muito equilibrado
emocionalmente, porque não é nada fácil estar fora do nosso porto de abrigo!
Que ensinamentos leva da experiência num país/continente diferente?
Vários! Eu já tinha aprendido a relativizar,
mas agora muito mais!
Estou muito mais calma e serena. Aprendi que
não vale a pena estar chateada e zangada com nada. Não vale a pena. Há coisas
tão mais importantes.
Eu estou todos os dias em contacto com o "oito" e o "oitenta"! No trabalho voluntário estou em contacto com crianças, jovens e
seniores que não têm nada, mas mesmo nada. As crianças andam na rua, o dia
todo, descalças com as temperaturas de quarenta graus!!! E no trabalho estou em
contracto com alta sociedade de Maputo. E não tenho de questionar nada!
Para si o que significa emigrar?
É estranho, mas para mim significa fazer o que
mais gosto! Só faria sentido sair do meus país para fazer o que mais gosto.
Em Portugal é muito difícil fazer trabalho
humanitário com direito a alojamento e alimentação! Não correu bem e tive a
sorte de arranjar um emprego muito bom e de que gosto muito, mas não estava nos meus planos.
O melhor em Maputo...
O clima! A luz! O nascer do sol!
Às cinco da manhã acordo pronta para viver o
dia com todas as minhas forças! Impensável em Portugal!
O pior em Maputo...
A corrupção, a falta de palavra do
moçambicano, os transportes precários, a carência de alfabetização, a falta de proactividade,
a falta de civismo, a falta de limpeza das ruas. Estas questões primárias,
fazem-me muita confusão.
Há questões muito básicas que estão por resolver, como alguns dos direitos das crianças... os direitos mais
básicos, como ter direito a um nome e aos pais!!! Existe, também, o grave problema da gravidez
prematura! Acho que até eu conseguiria resolver estes problemas.
O mais surpreendente em Maputo...
O que mais me surpreende... Embora todos os
dias me sinta diferente, porque há muitos "brancos" em Moçambique, mas
resguardam-se! Não andam na rua, só andam de carro, vivem em bairros
equivalentes ao Restelo e Lapa, em Lisboa, frequentam locais caros que o moçambicano não
tem dinheiro para frequentar. Eu vivo em contacto com os nacionais, moro numa
avenida principal e segura de Maputo , mas o prédio não tem guarda e lá só moram
nacionais! Ando de chapa, não ando de carro nem de táxi! Ando por onde me dizem
que é perigoso andar, frequento cafés onde os nacionais vão e com um ar
descontraído, e assim sinto-me em casa! Surpreendentemente sinto-me mesmo bem, em
Moçambique, mas sou alvo de muitos olhares.