Abondono, Rejeição, Injustiça, Traição e Humilhação. As cinco feridas emocionais de que fala a ensaísta Lise Bourbeau encontram-se espelhadas em algumas séries lançadas recentemente na plataforma de streaming Netflix, das quais destaco: "Respira Fundo", "A Criada", "Um Novo Eu" e "Dahmer: O Monstro - A História de Jeffrey Dahmer".
O que têm os protagonistas destas séries em comum? Infâncias tristes, negligenciadas, atribuladas. Todos os protagonistas destas produções cinematográficas viveram "meninices" infelizes e marcadas por algum tipo de abuso e por muito sofrimento.
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A criança ferida tem muita influência sobre a nossa vida |
Comecemos por "Respira Fundo". Liv ( personagem interpretada por Melissa Barrera) para se manter viva numa ilha deserta, após o despenhamento do avião em que seguia, precisa de responder a todos os desafios impostos pela natureza ao redor e de libertar-se dos traumas do passado. Trata-se de uma história ficcionada que mostra como as marcas de uma mãe narcisista e prepotente podem condicionar o presente e o futuro de uma pessoa que luta constantemente para se libertar dos condicionamentos impostos pela privação do amor materno. Na mesma linha está a história da protagonista da "Criada", na qual Margaret Qualley veste a pele de "Alex", uma jovem cheia de sonhos que vive uma história de violência doméstica com uma filha pequena nas mãos. Sem qualquer tipo de suporte familiar e neglienciada por uma mãe bipolar e narcisista, Alex vê-se obrigada a reconstruir uma vida com a filha longe de tudo e de todos. Esta série leva-nos a refletir sobre como crescer numa família disfuncional pode fazer com que nos tornemos codependentes do "amor" de alguém abusivo e sem escrúpulos que, se permitirmos, facilmente e sem remorços destrói a nossa vida por completo.
Na série turca "Um Novo Eu", três amigas partem à descoberta de si mesmas. Meditação e Constelações Familiares encontram o equilíbrio perfeito nesta viagem ao interior, ao passado e aos traumas de cada uma das três amigas turcas. Destaco a personagem "Ada" (interpretada pela atriz Tuba Büyüküstün) que é desafiada a remexer no passado de uma família "construída" com base no desamor e na traição. É no presente que Ada se depara com relações amorosas disfuncionais explicadas, em grande parte, por uma infância turbulenta e marcada, essencialmente, pelo abandono da figura materna.
Finalmente temos a série "Dahmer: O Monstro - A História de Jeffrey Dahmer". Esta série de 10 episódios conta a história de Jeffrey Dahmer, o serial killer norte-americano que, entre 1978 e 1991, matou, desmembrou e comeu 17 homens. O "modus operandi" era sempre o mesmo; aliciar as vítimas (todas do sexo masculino e pertencentes a minorias étnicas) em bares gay com promessas de recompensas financeiras por uma sessão fotográfica. Depois de os conquistar, levava as vítimas para casa, oferecia-lhes uma bebida com uma substância psicotrópica que as deixava inconscientes, asfixiava-as e, por fim, desmembrava-as e comia-as (em vários sentidos...).
Ora, sobre esta última série, é preciso ver para a além do óbvio. O que fará alguém matar outras pessoas? O que vai na cabeça de algém que comete a preversidade de comer cadáveres humanos? Porquê que alguém sente atração por orgãos humanos?
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O poder da cura está dentro de nós |
E tudo começou dentro do ventre materno. Jeffrey Dahmer era filho de uma mãe depressiva e de um pai explosivo e incompreensivo. Durante a gravidez, a mãe de Jeff "encharcava-se" em medicação. É certo que o feto se recentia e também sentia as inconstantes oscilações de humor da mãe. Quando nasceu Jeff as coisas não melhoraram; o casal estava permanentemente focado nos seus problemas e negligenciava as necessidades da criança que, por inúmeras vezes, se sentiu abandonada (quer pelo pai como pela mãe).
À medida que foi crescendo sem amor nem afeto, Dahmer construiu um Transtorno de Personalidade Borderline que se traduzia numa grande incapacidade de estar sozinho e de lidar com a frustração. As atitudes intempestivas quando contrariado retratam o turbilhão que ia no interior desta pessoa que acabou por não saber como ser "pessoa". Faltou um modelo saudável de uma família com estrutura. Faltou amor. Faltou quase tudo.
Em comum todas estas personagens trazem dentro de si uma criança ferida. Uma criança cujas necessidades não foram atendidas, uma criança que apenas suplicava por amor. Uma criança negligenciada e que necessitava do abraço da mãe e do suporte do pai.
Também nós muitas vezes negligenciamos essa criança ferida que carregamos dentro de nós e que precisa de ser curada. Ouçamo-la e curemo-la.