Centenas de pessoas acorreram às
ruas para protestarem contra as políticas do Governo e para darem voz aos
valores democráticos conquistados há precisamente 40 anos. Em marcha da praça
Marquês de Pombal ao Rossio, entre as 15 e as 19 horas, anónimos, inconformados,
sindicalistas e políticos foram protagonistas das vozes que gritaram bem alto, a favor dos valores de Abril, durante a tarde desta sexta-feira.
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Foi junto à rotunda do Marquês de Pombal que os manifestantes se concentraram |
A defesa da escola pública, o
direito à saúde e à igualdade de género são, nas palavras de alguns manifestantes, apenas três pilares sociais que só
poderão sofrer alterações se o actual Governo se demitir e se for encontrada uma
solução de esquerda que dê voz aos cidadãos. Esses objectivos só vão ser
conseguidos se as pessoas saírem à rua e fizerem prevalecer a sua vontade sobre
as políticas de direita.
Joaquim Lopes tem 68 anos e,
apesar de estar reformado desde 2011, é um exemplo de alguém que não se
conforma. Saio à rua para defender
os valores de Abril e exigir uma mudança que passa pela demissão do actual Governo.
“Tenho participado noutras manifestações contra o Governo porque tem estado
contra Portugal e contra os portugueses. Por isso é mais que justificável estar
neste momento a comemorar os 40 anos do 25 de Abril porque parece-me que o
actual Governo e o Presidente da República não têm nada que ver com o 25 de
Abril”, explica.
Realizar uma nova revolução
apesar de ser, nas palavras do aposentado, uma utopia, parece ser uma solução
razoável. A saída do Governo pelos métodos normais seria uma solução aceitável.
“ Está completamente desligado da realidade portuguesa: progresso não é isto,
isto é retrocesso e, portanto, as coisas deverão ser postas no seu devido
lugar.” Apesar de ter sido eleito, o Governo deverá actuar em conformidade com
o povo e não contra quem o elegeu.
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Joaquim Lopes acredita que as mudanças começam pela saída dos mais jovens à rua |
O ex-combatente na guerra
colonial é da opinião de que os valores de Abril estão a ser violados pelo
actual Governo e quase não há sector que escape, “o direito à saúde é aquilo
que a gente vê. Tinha uma consulta marcada para o Hospital Pulido Valente no mês
de Setembro; entretanto alguma coisa se passa, inclusivamente querem-no fechar.
Eu recebi uma carta à muito pouco tempo para ir para
Santa Maria e a consulta já passou para Janeiro”, exemplifica.
Fala também acerca da educação e
dos transportes: “o Governo investe nos privados e diz que não há dinheiro para
a escola pública”. Quanto aos transportes, o tempo de espera é muito longo: “está-se
uma hora à espera do autocarro aos fins-de-semana. Se perdemos um autocarro à
meia-noite, só voltamos a ter outro às sete da manhã”. Acredita que está tudo a
ser feito contra as pessoas e não a favor, o que seria de esperar de um Governo
eleito pelos seus cidadãos.
Para que a mudança se possa vir a
concretizar gradualmente é preciso que as pessoas saiam à rua. O facto de os
jovens ficarem em casa e de não se interessarem pelas questões políticas é uma
das críticas de que Joaquim Lopes fala: “parece-me que esta praça esteve mais cheia
de jovens no dia em que o Benfica ganhou o campeonato no domingo”, diz. Este é
um dos motivos pelos quais “os governantes andam à vontade”.
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Para que a mudança se possa concretizar é preciso que as pessoas saiam à rua |
Se houvesse mais pessoas na rua
era muito mais fácil partir para a mudança, caso contrário volta tudo ao mesmo.
“Os criminosos são soltos, o Governo está ligado de alma e coração e
fisicamente ao BPN, o Presidente da República foi um dos que usufruiu com
aquilo e depois uma série de amigos chegados a eles. A justiça faz por não
funcionar.” As injustiças mantêm-se e são as pessoas mais fracas economicamente
que acabam por ser prejudicadas, enquanto os mais poderosos continuam libertos:
“o desgraçado que roubou uma galinha vai preso ou é-lhe aplicada uma multa de
valor elevadíssimo”, explica.
Apesar de a afluência de jovens
não ser tão grande como a que seria de esperar há quem saia à rua e partilhe, a
par dos mais velhos, as mesmas preocupações. Elsa Severino tem apenas 19 anos, é estudante e pertencente à Juventude
Comunista Portuguesa e é exemplo de uma jovem interessada. Saio à rua para
defender os valores conquistados a 25 de Abril de 1974. “Este é o momento em
que a juventude tem de defender os valores de Abril, seja o direito à educação,
o direito à saúde e o direito ao trabalho”. Sentindo-se ameaçada de diversas
formas, a juventude sai à rua lutar pelos nosso direitos e para afirmar Abril
como os valores para o futuro.
Realça dois dos pilares que
norteiam a luta da juventude comunista: o direito à educação e o direito ao trabalho.
“As propinas aumentam, muitos dos estudantes do ensino secundário abandonam os
estudos porque os pais não têm dinheiro para os ajudar no ensino superior, temos
escolas degradadas, turmas com mais de 30 alunos, estudantes do ensino superior
que abandonam todos os dias o ensino por não ter como pagar a alimentação
e a habitação”, explica porque sai à rua. “Temos 42% de trabalhadores desempregados
e aqueles que trabalham têm contratos precários.” Acredita que, por isso, e
hoje mais do que nunca, todos devemos lutar pelos direitos e contra o ataque
que temos vindo a sofrer por parte deste e dos antigos Governos.
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Elsa Severino pertence à JCP e é da opinião de que o direito à educação e ao trabalho são fundamentais |
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Se pudesse dirigir-se ao
presidente da República Cavaco Silva dir-lhe-ia para se demitir, tal como o diria ao Governo no seu todo. Aponta como solução para a saída da crise governamental, uma
solução de esquerda: “o que nós precisamos é de uma política de esquerda e
patriótica e só o PCP e a CDU, juntamente com os Verdes, é que poderão tirar o
país desta miséria”. Apesar de acreditar que a solução passa pela mudança de
ideologia política, Elsa Severino diz que só o povo na rua poderá provocar essa
mudança. “Não basta só a demissão do
Governo; precisamos do povo na rua a exigir uma política de esquerda”, conclui.
Em dia de protesto a União
Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) não deixou de marcar presença. Almerinda
Bento tem 62 anos é professora aposentada e membro da UMAR. Explica que todos
os anos nesta altura a associação, que nasceu no pós-25 de Abril, sai à rua
para relembrar os direitos das mulheres e para realçar e chamar a atenção para a
prevalência do machismo e de atitudes discriminatórias na sociedade actual.
“Nós precisámos de muitos anos
para conseguir ver o aborto legalizado no nosso país e o papel da UMAR e de
outras organizações de mulheres foi, de facto, muito importante, e por isso
neste momento em toda a Europa está a haver um grande retrocesso dos direitos
sexuais e reprodutivos, a UMAR, mais uma vez, quer estar na rua para relembrar
que não há direitos adquiridos”, diz. Importa também sublinhar que “os direitos
têm de ser conquistados, defendidos e aprofundados” pelo que nada pode ser
dado como adquirido.
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A UMAR luta pela igualdade de género e pela abolição do machismo |
No trabalho, a precariedade e o
desemprego imperam e é no género feminino que são mais notórios. “Entre as
mulheres a precariedade é muito maior e, muitas vezes, com base na maternidade.
Hoje em dia muitas jovens continuam a não ver o seu direito ao trabalho garantido,
e a não serem empregadas porque podem vir a ser mães. Isso é uma violação total
dos direitos humanos e das mulheres”, diz a professora reformada. “A
precariedade, o desemprego, o abuso por parte do patronato relativamente aos
direitos das mulheres é tremendo e nós queremos trazer na rua para a sociedade”,
afirma acerca dos objectivos da associação.
O assédio sexual e moral no
trabalho é cada vez uma realidade mais preocupante e que, por parte de quem é
assediado é mais difícil de mostrar. “Este é outro problema que nós queremos
colocar na agenda. Movimentos sociais e pessoas que defendem que é tão
importante preservar a democracia e a liberdade”, diz.
Quanto à forma de contornar o
problema, defende que “as soluções passam muito pela mobilização das pessoas e
por não deixar cair estes problemas no esquecimento. Estamos juntos a outros
movimentos sociais no sentido de dar corpo a outros sectores que nesta situação
de grande precariedade e de ataque generalizado à democracia e à liberdade, é
importante estarmos na rua por isso”.
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Almerinda Bento acredita que os valores de Abril têm de ser "conquistados, defendidos e aprofundados" |
Joana Sales, 33 anos, partilha a
mesma opinião da colega. A técnica na UMAR defende que a luta pela liberdade,
pela democracia e pelos direitos das mulheres deve ser uma constante. Neste
momento, depois do 25 de Abril, há muitos direitos que ainda continuam a ser
violados. A técnica na UMAR exemplifica: “há mulheres que continuam a ser despedidas
por estarem grávidas, as mulheres receberem menos que os homens, mesmo
desempenhando as mesmas tarefas, as tarefas domésticas ainda recaem muito mais
sobre as mulheres.”
Também a violência doméstica é um
parâmetro a ter em conta, já que os números não são nada animadores. “A violência
doméstica mata cerca de 30 ou 40 mulheres em Portugal por ano”. Em suma, a desigualdade
de género e o machismo estão muito latentes na sociedade portuguesa. Embora
muito tenha evoluído depois do 25 de Abril, a sociedade portuguesa é ainda
sexista. “Devido à crise, estamos a recuar ao nível dos direitos das mulheres”,
diz a técnica da UMAR.
Para que exista mudança é preciso
abolir o sexismo e promover a igualdade entre todas as pessoas. “No fundo é sempre
uma questão de mudança de mentalidades, de novas políticas inclusivas, verdadeiramente
sociais: tem de haver uma mudança ao nível das políticas, seja em Portugal ou
ao nível da União Europeia. Deve também haver um esforço na consciencialização para
a mudança das mentalidades”, conclui.
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Joana Sales é técnica na UMAR e acredita que a mudança deve começar por uma modificação nas mentalidades |
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A manifestação que se alongou durante toda a tarde contou com a presença de alguns políticos, entre
os quais o presidente da associação 25 de Abril Vasco Lourenço, o
secretário-geral do PCP Jerónimo Sousa e os coordenadores do Bloco de Esquerda
João Semedo e Catarina Martins.
Também marcaram presença nos
manifestos várias organizações sindicais entre as quais a CGTP, a UMAR, a JCP,
a MURPI e a SPGL. Ao longo da jornada ouviu-se o ressoar da canção revolucionária
Grândola, Vila Morena, a exortação à revolução com gritos como “a luta continua, Abril está na rua” e “o trabalho contra o
capital, camaradas mantemo-nos unidos porque é nossa a vitória final”.