Há mercearias que estão abertas depois das 19h e dão vida
às ruas de Benfica. Surgem com uma alternativa às pessoas que, depois de saírem
dos empregos, querem fazer compras de última hora. Numa altura em que tanto se fala
de crise, será esta uma alternativa para contornar este problema?
São nove horas da manhã. É sábado. Muitas pessoas ainda dormem; é dia de descansar até mais tarde. No entanto, já há algum tempo, há vida no comércio Lisboeta. Junto ao mercado de Benfica ouvem-se vozes de peixeiras e de ciganas que tentam vender os seus produtos. Sigo em frente, rumo à estrada de Benfica.
Deparo-me com uma pequena mercearia junto à estrada. Olho para a placa com umas letras vermelhas por cima da porta, onde se lê “Mini Mercado”. Entro e observo atentamente cada um dos produtos que o estabelecimento contém. Mesmo à minha frente está um jovem moreno que me pergunta, gentilmente, se pode ajudar. Começo por me apresentar e por lhe falar no meu propósito. O comerciante diz-me que não entende o português. Proponho-lhe que falemos em inglês para entendermo-nos.
Bijay Wagle é nepalês e trabalha nesta mercearia há dois meses. Quando o questiono acerca do horário de abertura e de fecho diz-me que abre às 9h e fecha às 22h, sete dias por semana. Apercebo-me de que esta é uma das mercearias que procurava. Interesso-me por saber que produtos vende depois das 19h. “A essa hora 19h vendo cerveja a homens com 30 ou 40 anos”, diz-me num inglês arranhado.
Observo que a mercearia tem uma grande variedade de
produtos, quer alimentares, quer de higiene. Entretanto chega uma cliente
simpática. “Olá”, saúda, entusiasticamente, o merceeiro. A resposta é um
sorriso estampado no rosto da senhora. Enquanto escolhe o que vai levar,
pergunto a Bijay qual é a razão pela qual a mercearia fecha tão tarde. “ É para
poder vender mais”, tenta dizer em português.
O nepalês veio para Portugal depois de ter estado a viver em Inglaterra. Afirma que veio para trabalhar, porque no seu país as condições de vida são pouco favoráveis. Apesar de não ter um salário fixo todos os meses, vive daquilo que vende e que divide com os dois colegas que trabalham consigo. Não se queixa da crise e mal se apercebe de que ela existe; consegue pagar as suas despesas com o que ganha na mercearia.
O nepalês veio para Portugal depois de ter estado a viver em Inglaterra. Afirma que veio para trabalhar, porque no seu país as condições de vida são pouco favoráveis. Apesar de não ter um salário fixo todos os meses, vive daquilo que vende e que divide com os dois colegas que trabalham consigo. Não se queixa da crise e mal se apercebe de que ela existe; consegue pagar as suas despesas com o que ganha na mercearia.
A senhora que há uns minutos havia entrado já se prepara
para sair. Leva umas batatas e algumas hortaliças. Quase se esquece de levar o
saco com as rosas, que tinha pousado junto às caixas onde estão as hortaliças.
Seguem-se momentos de aprendizagem. “Sabe como se diz comer a esta hora, em
português?”, pergunta a senhora calva. Abana a cabeça dizendo que não. “Pequeno-almoço!”,
responde ela. O comerciante nepalês tenta dizer várias vezes a palavra até que
acerta. “É muito difícil”, diz num português quase claro. Ensina a senhora a
dizer o mesmo mas na sua língua. “Ui, isso é que é complicado”, replica a mulher.
Despede-se e sai.
Bijay fala-me um pouco acerca do seu percurso de vida. Já esteve em Inglaterra mas decidiu vir para Portugal há dois meses. É aqui que tem amigos. Também lhe falo um pouco sobre mim. Mas tenho de prosseguir o meu caminho. Agradeço e despeço-me saindo da loja com um pacote de leite e umas pêras maduras.
Sigo a rua paralela à avenida do Uruguai. São, agora, 10 horas. Vejo um estabelecimento com dimensões superiores à do anterior. Olho para o horário de abertura e para o de fecho, 9h e 21h respectivamente, durante sete dias por semana. Lanço um olhar rápido para o interior da loja. Arrisco e entro.
Assim que me dirijo a uma pessoa com feições indianas, apresento-me. Digo-lhe que sou uma aluna de jornalismo e que estou a fazer uma reportagem sobre a crise no comércio tradicional. Mais uma vez a língua parece ser um obstáculo. Tem dificuldades em entender o português; por isso falo devagar e pausadamente.
MS Misbah Uddin,
indiano, mostra-se, desde logo, receptivo às minhas questões. No que respeita à
crise, diz-me que a tem notado mas que, se fizer os preços mais baratos,
consegue mais atrair mais clientes. A boa qualidade dos produtos a um baixo
preço é um factor determinante para o sucesso da mercearia.
Fala-me acerca de uma loja que está aberta até à meia-noite, no Areeiro. Lá já ouve situações conflituosas, ao contrário daquilo que se passa na mercearia situada em Benfica. Na quinta-feira passada dois homens armados tentaram assaltar o estabelecimento; no entanto, não tiveram sucesso porque os comerciantes conseguiram defender-se.
Fala-me acerca de uma loja que está aberta até à meia-noite, no Areeiro. Lá já ouve situações conflituosas, ao contrário daquilo que se passa na mercearia situada em Benfica. Na quinta-feira passada dois homens armados tentaram assaltar o estabelecimento; no entanto, não tiveram sucesso porque os comerciantes conseguiram defender-se.
Quando lhe pergunto porque não fecha a mercearia mais tarde, o comerciante indiano diz-me que teria de pagar mais aos empregados se eles estivessem lá até às 24h, mas que assim paga o ordenado mínimo. Peço-lhe para me falar sobre se tem sentido o efeito da concorrência das grandes superfícies comerciais. À porta da mercearia aponta para o supermercado que está em frente à estação de Benfica. Acredita que tem poucos clientes devido à concorrência; o “Mini-Preço” e o “Lidl” são exemplos de superfícies comerciais que lhes tiram clientes.
“Fechamos quando não temos clientes”, responde num português quase imperceptível, quando lhe pergunto qual é a razão pela qual a mercearia fica aberta até mais tarde. De facto, é a partir das 19h que muitas pessoas saem dos seus empregos e, por isso, costumam passar pela mercearia, já que muitos outros estabelecimentos estão fechados. Aí podem fazer as compras de última hora. Por outro lado, o facto de o estabelecimento se localizar junto a uma paragem de autocarros em muito facilita a deslocação dessas pessoas.
Há homens e mulheres na mercearia. Enquanto a entrevista
decorre é continuamente interrompida por clientes que querem pagar para irem
embora. Vejo que as pessoas que vão entrando e saindo são de idade; afinal são
elas as que mais frequentam as mercearias por onde passei.
São horas do almoço. O sol já não se esconde por detrás da neblina matinal. Brilha e contrasta com a manhã repleta de nuvens cinzentas. Continuo à procura de imigrantes merceeiros. Sigo rumo à zona da Buraca e avisto uma mercearia repleta de frutos no seu exterior. Aproximo-me e entro.
São horas do almoço. O sol já não se esconde por detrás da neblina matinal. Brilha e contrasta com a manhã repleta de nuvens cinzentas. Continuo à procura de imigrantes merceeiros. Sigo rumo à zona da Buraca e avisto uma mercearia repleta de frutos no seu exterior. Aproximo-me e entro.
Estão dois homens a conversar. Entro e explico ao senhor que
está a almoçar quem sou e o que pretendo. Desde logo, o cabo-verdiano
disponibiliza-se a responder às minhas questões. Mas antes, oferece-me um pouco
da sua refeição. Agradeço, digo que já almocei, e desejo-lhe um bom apetite.
Começo por perguntar há quantos anos está na mercearia. “Há
dois anos, trabalho por conta própria”, responde com dificuldade, em português.
Acrescenta que a mercearia está aberta sete dias por semana, das 9h às 19h30.
Enquanto aponto as suas respostas no caderno, pergunto-lhe se alguma vez pensou em fechar a mercearia mais tarde. Diz-me que não. Para si, “o descanso é necessário e não penso fechar mais tarde, pois, se não há facturação durante o dia também não vai haver à noite”, diz num tom monocórdico.
Quem frequenta a mercearia e, em média, quanto gasta em compras? Felisberto Furtado afirma que os clientes são, maioritariamente, os que vivem na zona; na Buraca e na Cova da Moura. No que se refere aos gastos que as pessoas fazem, não são muito abundantes. “Gastam, no máximo, três ou quatro euros”, responde desanimadamente. Acrescenta, ainda, que o que ganha na mercearia não dá para pagar as despesas e o aluguer do espaço. Se o negócio continuar assim terá de fechar. “Antes fechar que deixar de pagar ao senhorio”, diz.
Há pessoas a chegar. Antes de ir embora quero saber que tipo de produtos são mais procurados. “São as bananas e os produtos africanos, entre os quais a mandioca, a banana verde e a batata-doce”, responde um pouco mais animado. Contudo, tal como anteriormente havia afirmado, “cada vez tem vindo cá menos gente”. Começou a reparar que a quebra do negócio veio a agravar-se este ano.
Quando já tenho os dados que pretendo, peço para fotografar a mercearia. Após a autorização, disponho-me a continuar o meu trabalho. Quando termino volto a olhar para dentro da mercearia e despeço-me do merceeiro cabo-verdiano. O sol vai alto e aquece-me. Continuo o meu percurso.
A tradição diz que uma grande parte dos merceeiros vive no
andar de cima do seu local de trabalho. Mas com estes trabalhadores imigrantes,
o mesmo não acontece. Tanto o Bijay Wagle como o merceeiro da mercearia
localizada na avenida do Uruguai vivem em zonas diferentes da cidade e acabam
por ter de se deslocar, normalmente a pé, até ao local de trabalho.
Apesar de não serem só os mais jovens que se deslocam, à
noite, às mercearias, a procura de álcool e de tabaco é a mais notada. Devido à
menor concorrência depois das 19h, fechar os estabelecimentos à noite, passa
por ser uma mais-valia para quem quer contornar a crise.