Hoje acabei de ler o romance "Isto Acaba Aqui" da escritora norte-americana Colleen Hoover. Ao longo de 331 páginas encontrei encanto, sonho, alegria, felicidade, desilusão, violência (física, emocional e psicológica), dissonância cognitiva, confusão mental, esperança e, por fim, a quebra de um ciclo familiar tóxico.
Resumidamente, este livro conta-nos a história de Lily, uma jovem de 25 anos e de Ryle, o cirurgião por quem se apaixona perdidamente. Ambos se conhecem num terraço de um edifício, local onde Lily se refugia para pensar após o falecimento do pai. A conversa entre ambos desenrola-se e trocam contactos. Passado pouco tempo começam a namorar e o pedido de casamento não tarda em tornar-se real. E, pouco tempo depois, após o início de uma história de amor aparentemente perfeita, chega a violência e uma gravidez não planeada.
Primeiro, a violência inicia subtilmente, com umas palavras menos simpáticas e um "empurrãzito aqui, outro acolá". Depois, de uma forma indisfarçavelmente atroz, a violência que se torna física, coloca a protagonista desta história no hospital. Escusado será dizer que os pedidos de desculpa sucedem-se após cada episódio violento. [Como é habitual na vida real].
Lily assistira, na infância, aos maus tratos que o pai dava à mãe. Presenciara as palavras insultuosas, os empurrões desproporcionados e a brutalidade dos murros inflingidos no seu corpo. Assistira à violência nas suas diversas formas e isso provocara-lhe uma dor interna imensa e uma revolta indescritível por a mãe, apesar de toda a violência que vivia, não se divorciar do pai. Não sair de casa e iniciar uma nova vida. Agora, era a Lily que se deparava com um marido abusivo e violento. [será que Lily dará a volta à sua vida?]
É uma história ficcionada que pode ser real. Pode ser a de qualquer um que lê estas linhas. De qualquer homem, de qualquer mulher. [Tristemente] É a história de homens reais, de mulheres reais. Infelizmente ninguém está imune a este flagelo social, que precisa de ser travado e denunciado.
Mais do que de sofrimento e de dor, esta é uma história de coragem e de superação. Não escolhemos a família em que nascemos e muitas vezes, reproduzimos, na vida adulta, padrões que nos são familiares e que trazemos gravados no nosso íntimo, desde a infância. Mesmo que digamos que "Não quero ser como a minha mãe", "Não vou tolerar os comportamentos que o meu pai tolerava", "O meu filho/a nunca passará tão mal como eu passei", só é possível quebrar padrões familiares tóxicos quando tomamos consciência de que estes existem, que nos prejudicam e que condicionam a nossa vida.
Só depois de identificar as causas do mal-estar familiar e ir à raíz do mesmo, procurando conhecer, por exemplo, a história dos nossos antepassados, é que se torna possível desconstruir e libertarmo-nos de problemas geracionais. Não basta falar ou mentalizar o que queremos/o que não queremos. É preciso atuar na origem do problema, perceber, aceitar e curar para não voltar a repeti-lo.
Falo de ciclos familiares tóxicos que se perpetuam ao longo de gerações. São pedaços de sofrimento insconscientes que se repetem de formas muito parecidas e incessantes até que um membro da família os descontrua e lhes coloque um ponto final. Normalmente esse membro é "a ovelha negra" que não segue o "modus operanti" instituído na sua família. Diz o que pensa e denuncia o que não está bem. É o que normalmente está "do contra" e tem uma forma muito peculiar de ver a vida, muito diferente da dos outros membros da família. Não aceita "verdades absolutas" e questona tudo.
'Isto Acaba Aqui' mostra-nos que é possível desconstruir ciclos familiares tóxicos e viver feliz. Os ciclos existem porque é extremamente doloroso quebrá-los . É necessária uma quantidade astronómica de dor e de coragem para quebrar um padrão que nos é familiar. Por vezes, parece mais fácil continuar a funcionar de acordo com os mesmos ciclos que já são familiares ao invés de enfrentar o medo de dar o salto e de possivelmente não aterrar de pé.
Mas qual será o melhor caminho? Aceitar a dor e o sofrimento "porque a minhã mãe/o meu pai até passaram por pior" e acomodarmo-nos à infelicidade ou colocar um ponto final e ser realmente feliz? - o caminho mais saudável nem sempre é o mais fácil, mas é o que certamente nos libertará das amarras do passado. Quebremos um ciclo opressor e não sejamos o próximo elemento da família a perpetuar uma história infeliz.