16h20. Entro na sala de aula numa terça-feira de tarde. Aquela sala, que é a minha e que se encontra no recinto fechado, mas anexo ao edifício principal. Preparo-me, como habitualmente, para colocar o meu material em cima da mesa: primeiro, a pasta com as folhas de comportamento e com as fichas de trabalho. Depois, a mala do computador e as colunas exteriores de som. Antes de me virar para o quadro para escrever a data e o número da lição, deparo-me com uma disposição diferente das mesas dos alunos. Não estão como as deixei ontem, em filas paralelas e de frente para o quadro. Encontram-se em U.
16h25. Sinto-me tentada a dar a aula com as mesas dispostas em forma de U. Está uma cadeira em frente à secretária da professora, preparada para contar uma história aos mais pequenos, quanto os seus olhos colidem no centro, na minha direcção. Uma experiência nova. Dirijo-me à porta para chamar os pequenos que se apressam a fazer fila indiana para entrar dentro da sala de aula. Já sabem, de antemão, que as mesas estão hoje, dispostas de uma forma diferente da do habitual. "Que fixe, vamos ter uma aula diferente!", exclamam. E sim, realmente não se enganam muito. Hoje a aula vai ser diferente.
16h30. Enquanto se sentam, preparo o videoclip da música dos vegetais e das frutas. Espero que os meus alunos se acalmem e que dêem oportunidade ao silêncio de reinar por instantes. Não exijo silêncio absoluto; apenas moderação no volume com que falam entre si. Portátil ligado e clip accionado fazem as delícias dos mais novos. Afinal, pelo menos por alguns minutos, sabem que não vão "passar nada do quadro". Os 24 olhinhos convergem para o centro da sala de aula, para a imagem inicial do vídeo. Falta o som. Mas só o vão ouvir quando os níveis de euforia diminuírem drasticamente.
16h34. O silêncio entra, a passos de bébé, na sala de aula e sinto que é a altura de os deixar ouvir. Agora, as imagens de vegetais saltitantes movem-se ao som da música que adverte os mais novos para a importância de uma alimentação saudável. "I eat my vegetables everyday..." Não sei a música de cor mas sei que não lhes entra nos ouvidos de uma só vez, até porque a letra é complexa e difícil. Olho as faces curiosas e os lábios temerosos que tentam repetir o que é dito na cantiga. Não é fácil explicar-lhes o significado do que ouvem, mesmo com a ajuda das imagens. Portanto, vagarosamente e sem grandes pressas, vou parando o vídeo em partes que considero fulcrais e pertinentes. Explico.
16h40. Depois dos primeiros cinco minutos de audição, está na hora de fazer um exercício. Enquanto ouvem, apontam no caderno o nome dos vegetais, quer em português quer em inglês. Pepino, alho francês, nabo e outros que tais, deixam os cachopos confusos. Paro o vídeo mais uma vez. "Teacher, não consegui escrever tudo", diz-me o André no final do vídeo. "Meninos, atenção, vou colocar mais uma vez!", digo em tom de voz elevado para captar a atenção dos mais distraídos. É preciso agir com calma, com ponderação e ter, acima de tudo, muita paciência. Vamos lá ouvir, mais uma vez, a música dos vegetais. "Cantem baixinho para não se enganarem!"
16h50. A aula prossegue de forma animada. Está na hora de perguntar, afinal, que vegetais conseguiram escrever. "O que significa cabbage?", pergunto. "É cenoura, professora!!!" - diz um(a) distraído(a). "Nãããão!" - advirto. "É couve-lombarda" - diz um(a) atento(a). "Muito bem!!!" - digo animadamente. Afinal, o que se leva de melhor quando se ensina é a gratificação de que, nas pequenas inteligências, fica algo retido. E ensinar inglês não é como ensinar estudo-do-meio.
17h00. Meia hora de aula "correu" a "voar"! Oh MEU DEUS, como é possível? Os meus alunos fazem uma ficha sobre os vegetais e, enquanto os observo, chego à conclusão de que a disposição das mesas em U, ao contrário daquilo que eu pensava, não é assim tão ineficaz. Afinal, todos conseguem olhar para o computador sem que ninguém esteja à frente e acaba por ser mais prático para mim deslocar-me de um lado para o outro para tirar as dúvidas de todos. Contudo, não é a posição mais favorável para copiarem do quadro para o caderno e acaba por facilitar as conversas paralelas e as brigas cruzadas.
17h10. "Professora, já fiz! O que é que eu faço agora?" - questiona o(a) mais apressado(a). "Aguarda um pouco, já aí vou!" - digo, quando acabo de esclarecer a dúvida de outro. Depois de corrigir o trabalho do mais rápido, tenho de me apressar a fim de não ouvir "teacher" de lados opostos. "Agora faz o exercício 5 da página 62. Basta veres que as palavras para completares os espaços estão atrás", declaro com entusiasmo mas com pressa de atender um outro "Teacher, já acabei!". Inevitável será dizer que tenho de estar constantemente com um ouvido no "burro e outro no cigano". Dos olhos já nem falo!
17h20. Repito as instruções dos exercícios 50 vezes, no mínimo. Lembram-se de eu ter dito atrás que é preciso MUITA paciência? Mais uma dose, por favor! Paciência serve-se em ampolas na farmácia, felizmente. "Eva, explica ao teu colega como se faz esse exercício, por favor", solicito a ajuda da mais perspicaz. É normal que comece a ficar cansada de repetir sempre as mesmas coisas. Mas tem de ser. Nem que faça o pino enquanto explico o exercício consigo captar a atenção simultânea de todos. Que estafa, às vezes. Mas depende dos dias. Há dias bons e dias menos bons.
17h30. Não toca a campainha. Afinal, numa escola tão pequenina, nem se justifica. Olho para o relógio e vejo os alunos da outra turma lá fora, que entretanto começam a bater à porta para entrarem. Ainda não podem, pois já mandei arrumar os meus, mas estes ainda não saíram da sala de aula. E eu tenho de ser a última a sair. Só depois de a sala estar completamente vazia é que os meninos do ATL podem entrar com a autorização da funcionária que os ocupa por mais algum tempo. Hora de sair. Hora de relaxar. Hora de reflectir acerca da hora anterior. Sim, é bom sinal quando se tem a sensação de que uma hora passou em cinco minutos e se ouve os pequenos, lá fora, a interrogar quando os mando sair, "Já!?".