Baixa-Chiado,
9 horas: são dezenas as pessoas que madrugam para visitarem, durante cerca de 20 minutos, as Grutas
Romanas. Há que esperar numa fila que se estende da rua dos Correeiros à rua da Conceição na baixa
lisboeta. Graças ao Dia
Internacional dos Monumentos e Sítios o Museu da Cidade de Lisboa
volta a abrir ao público este alçapão. Trata-se de uma estrutura arquitectónica que se encontra
no subsolo da rua da Prata (antiga rua Bela da Rainha), na rua da Conceição e estende-se até à rua do Comércio, na baixa lisboeta.
Alexandre Guariento é um dos visitantes que aguarda, desde as seis da
manhã, na extensa fila para ver as Grutas Romanas impelido pelo gosto pela
história.“ Gosto muito deste tipo de património”, admite o director de negócios
e de operações. Os jornais e a televisão foram os meios através dos
quais tomou conhecimento das grutas e que o trouxeram até cá. Antes de entrar pela
primeira vez, no local escuro e húmido, as expectativas são incertas: “vai ser
uma surpresa, descobrir algo novo e antigo ao mesmo tempo”, admite. Sobre
a história nada conhece: “sabia que existia alguma coisa na baixa mas não em
profundidade”.
Afinal as galerias romanas da Rua da Prata estão
disponíveis para visita apenas durante seis dias por ano: três durante o mês de
Abril, em nome do Dia dos Monumentos, que se comemora a 18 deste mês, mas cujas
celebrações em Portugal se estendem de 12 a 20 de Abril. Por norma, também abrem três
dias em Setembro para celebrar as Jornadas Europeias do Património.
É quase meio-dia e há cinco horas Teresa Horta aguarda para entrar nas galerias.“Desde há uns quatro ou cinco anos tenho tentado vir ver e não consigo”, confessa. Por ter ocupados os fins-de-semana ou por desencorajar da espera na fila desistiu sempre. Desta vez espera entrar na estrutura subterrânea. “Tomei conhecimento através da imprensa, tinha curiosidade em vir ver. Decidi mesmo à última hora”. Apesar de não conhecer “rigorosamente nada acerca das ruínas”, não é a extensa fila que demove a vontade.
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| Às 9 da manhã a extensa fila já se alongava desde a Rua dos Correeiros à Rua da Conceição |
Chega a hora de entrar nas galerias compostas por corredores abobadados,
paralelos uns aos outros, com cerca de 3 metros de altura e por 2 a 3 metros de
largura. As paredes são planas e verticais, com abóbadas em arcos de volta circular. O guia Carlos
Didelet, um dos técnicos do Museu da Cidade de Lisboa, fala acerca dos motivos
que levam a que esta estrutura arquitectónica abra com tão pouca frequência.
É
preciso preservar a humidade da água em contacto com as pedras que convivem há
vários séculos e que “formam uma única entidade”. “O que ia acontecer se retirássemos a água de forma permanente? A pedra
ia secar, mas o problema é que o ligante que mantém a pedra unida ia ressequir
e ia transformar-se em pó”, explica. “Ao acontecer isso iria colocar em risco
não só a integridade das galerias romanas como dos edifícios pombalinos que
estão no seu topo. Ou seja, passados dois mil anos, a ideia que os engenheiros
romanos tiveram ao fazer uma plataforma para levar edifícios por cima, continua
vigente.” Sublinha a importância do trabalho dos engenheiros da época, por as
estruturas “continuarem a desempenhar as mesmas funções porque os edifícios
pombalinos assentam por cima desta estrutura.”
A estrutura abobadada é considerada um criptopórtico, isto é, “uma
construção abobadada, empregue com alguma frequência pelos romanos em terrenos
instáveis ou de topografia irregular para criar uma plataforma de suporte a
outras edificações”, sobre a qual
terão sido construídos diversos edifícios, como suporte à pouca consistência
dos solos nesta zona. A estrutura que hoje resta teria sido um vasto complexo
de galerias do qual não se conhece uma dimensão total. A construção é datada da
época de ocupação romana, durante o Governo do Imperador Augusto, entre os séculos I a.C. e I d.C.
“Só em 1771, muitos anos depois do terramoto de 1755, quando fazem
obras no número 37 da rua da Conceição, vão encontrar as galerias.” Carlos Didelet
prossegue com uma breve explicação acerca da história das ruínas. “As obras da Baixa
ainda estão a decorrer. Muitos edifícios que se vêm ainda não estão construídos
e eles ao constatarem a existência de todas estas galerias vão aproveitá-las
como alicerce dos edifícios que se apoiam aqui”. Em 1773 foi efectuado um
primeiro levantamento do implante das galerias. Em 1859 foram levadas a cabo obras
de saneamento: é feito um trabalho quase pioneiro em termos de arqueologia. É
efectuada a planta mais exacta e correcta que os técnicos dispõem acerca deste
conjunto romano.
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| A entrada das galerias romanas localiza-se na estrada, entre as duas linhas do metro |
“Não temos nenhuma informação sobre quais seriam os edifícios romanos que
estariam no topo. No entanto, por nos encontrarmos na frente marítima e por
Lisboa ter um carácter eminentemente marítimo, leva-nos a crer que talvez
fossem edifícios de apoio à actividade marítima”, afirma o técnico do Museu da
Cidade e do Centro de Arqueologia de Lisboa. “No
século XVIII, quando retiram o entulho daqui de dentro, foi encontrada uma
placa dedicada ao Deus Romano Esculápio. Essa placa está hoje guardada no Museu
Nacional de Arqueologia.”
Paulo Viegas e Lígia Carvalheira querem mostrar “novos mundos” aos filhos. O contabilista veio até cá há quatro anos e quer relembrar o que foi dito “sobre a origem das galerias.” A assistente administrativa pensa que esta é uma oportunidade única e é a primeira vez que cá está. Do pouco que conhece sobre as ruínas fala acerca da origem destas. “Por causa do terramoto ficou subterrada. Depois foi construída esta parte da Baixa por cima, mas não sei muito mais”, afirma.
Desde a sua descoberta as galerias têm sido alvo de diversas
interpretações: de termas a Fórum Municipal. “A noção de arqueologia do século
XVIII é muito diferente da que temos hoje em dia e, ao removerem o entulho, só
vão preservar essa lápide dedicada ao Deus Esculápio. Ao encontrarem essa lápide vão
ter outra consequência: vão atribuir a função de termas a estas galerias, mas nunca
estas galerias foram termas”, explica o guia. “Não existe a piscina e não existem
as canalizações características. Estas galerias foram sempre uma solução de
engenharia para conquistar terreno ao mar”, conclui.
A fisioterapeuta Ana Rita Santos veio até à Baixa demovida pela curiosidade. Já visitou algumas ruínas no nosso país, mas é a primeira vez que vem visitar as Galerias Romanas. “Vim porque tenho curiosidade em conhecer as ruínas e ver o que está por debaixo da Lisboa que conhecemos”, fala acerca dos motivos que a trouxeram até cá. As expectativas são elevadas: “espero encontrar um pedacinho da história da cidade de Lisboa, a parte Romana, de ver algumas ruínas. Conheço muito pouco sobre a história”. Apesar disso ainda tenta explicar para o que vai: “são ruínas Romanas, suponho que tenha alguns aquedutos ou algumas construções, pois ouvi dizer que tem muita água a passar por debaixo.” Apesar da longa espera, a esperança em entrar nas ruínas é já uma realidade: “espero que consigamos entrar”, diz.
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| Interior das grutas: as paredes são planas e verticais, com abóbadas em arcos de volta circular. |
As visitas deste fim-de-semana foram guiadas por técnicos
do Museu da Cidade e do Centro de Arqueologia de Lisboa. Os visitantes puderam
desfrutar de um ambiente de semi-penumbra entre-cruzada com focos teatrais. A visita
a esta memória romana é uma aula de história in loco, feita por uma rede de
galerias perpendiculares, entre celas escuras (que se supõe serem áreas de
armazenamento), núcleos de água, arcos em cantaria, até à Galerias das
Nascentes, também designadas por "Olhos de Água", onde, de uma
fractura contínua, brota toda a água que invade o espaço - era aqui que nascia o
Poço das Águas Santas, local de "águas milagrosas".
A abertura do fim-de-semana passado na rua da Conceição junto ao número 77 decorreu entre os dias 11 e 13, das 10h às 18h, pelo que a última entrada aconteceu às 17h30. As visitas gratuitas e guiadas realizaram-se em grupos de 35 pessoas e não houve marcações prévias. A abertura das galerias ao público data do ano 1986. Desde 1906 eram permitidas visitas só a jornalistas e a investigadores.



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