quarta-feira, 18 de outubro de 2017

“Devemos procurar o equilíbrio para atingirmos os nossos objetivos”

Tem 32 anos de idade e uma vontade de viver avassaladora. Depois de sete anos de interregno no desporto, a atleta olímpica Vanessa Fernandes regressa ao triatlo com forças renovadas. Esta é a “nova vida” que está a construir de raíz. É com determinação, persistência e força de vontade que a atleta encara o futuro. Com a sua alegria e com o seu exemplo de vida quer inspirar novos “campeões”.

Ana Mendes (AM) - Como está a nova Vanessa Fernandes? Esta é a segunda vida da atleta?

Vanessa Fernandes (VF) - Penso que a Vanessa Fernandes está a encontrar-se cada vez mais, com uma maturidade diferente, com experiências diferentes e está cada vez mais a encontrar o seu equilíbrio. Esta “nova vida” e esta nova carreira estou a construí-la de raiz, completamente. Tudo o que é construído de novo… estás à procura de para onde vais, para onde tens de ir, estás sempre à procura de equilíbrio, tens medo de avançar, tens medo de fazer… Essas situações todas acontecem, mas estou a ir em frente, estou a ser empurrada pela vida e estou a aceitá-la. É disso que se trata: aceitarmos o momento em que estamos, sabemos usufruir dele e sabemos agarrar as ferramentas que temos e construímos o nosso futuro e a nossa carreira. A Vanessa está grata por aquilo que tem, está grata por aquilo que teve e está a agarrar tudo o que tem agora para construir uma nova carreira.  

AM - Que apostas está a fazer em termos desportivos?

VF - Estou no triatlo. Estou a fazer algumas distâncias diferentes… Há vertentes diferentes no triatlo, iniciei-me agora na longa distância, como o IRON MAN, com distâncias maiores. O último que fiz consiste em 1900 metros a nadar, 90 de bicicleta e 21 de corrida. Foi uma experiência muito boa e eu identifico-me com essa distância. Quero voltar a fazer novamente.

AM - Que objetivos ainda tem por atingir?

VF – Neste momento não penso muito em resultados. Apenas penso em trabalhar e em fazer aquilo que tenho a fazer todos os dias, penso em estar no meu equilíbrio, penso cada vez mais em me encontrar… Penso e tento sentir que faz sentido na vida e em estar cá… A nossa vida não consiste só em resultados para nós, consiste em muito mais do que isso. Claro que vai chegar a um ponto em que eu me vou preparar para uma prova e se calhar tenho um resultado que quero atingir em mente.

AM – Que prova é essa?

VF – Não sei, isso vai depender das provas que vou fazendo e dos treinos que fizer. Para o ano irei ter campeonatos da Europa, campeonatos do Mundo… Vou fazendo e vou explorando o que quero fazer e o que eu quero realizar, por isso é “deixar-me ir”.

AM – Quantas horas por dia treina?

VF – Depende, quando estamos a colocar muita carga horária pode chegar a seis horas diárias... Cinco ou seis horas; não mais do que isso.

AM - Apadrinhou a corrida solidária da associação HELPO. Viu jovens atletas moçambicanos interessantes? Se houvesse investimento o atletismo moçambicano podiam criar-se grandes atletas?

VF – Sim, mas muito mais do que grandes atletas podem-se criar grandes seres humanos. Eu acho que as pessoas vêm sempre muito o desporto para resultados e eu vejo muito o desporto como um veículo para se realizarem obras grandes na humanidade. Consiste em construir seres humanos bons que sabem o que realmente querem e qual é o valor de estarmos aqui, de estarmos todos juntos dentro desta “bola gigante”.

Eu vi ali atletas com um grande potencial de correr, isso vi, e se eu pudesse ter um complexo que desse para ter os alunos, atleta e, ao mesmo tempo, ter uma escola lá dentro e terem apoio a todos os níveis, tanto emocional, como psicológico, tudo, em que se criasse um sistema de base de vida deles, isso era um sonho.

AM – Não a chocou ter visto atletas descalços?

VF – Eu quando vi aquilo deu-se uma coisa… ESPETÁCULO! Achei que é uma força enorme de ligação à terra espetacular. Ver miúdos daquela idade… Eu acho que os miúdos devem ter esse contacto com a terra, devem ter esse contacto de andar descalços, devem ter isso… Mas claro que me choca ver miúdos a sair dali e estarem com umas sapatilhas todas rotas, umas sapatilhas que devem ter encontrado na rua… Isso depois choca-me. O que transmite ver eles a correrem no relvado ou na pista descalços, eu acho bonito. Transmite-me muita força, muito poder, muita pureza.

AM -  Gostaria de conhecer o Moçambique profundo? O que pensa de Maputo?

VF – Gostava muito de ir ao Norte para conhecer o verdadeiro Moçambique. Pelo que dizem aqui é mais cidade… Em fevereiro ou março tenho viagem marcada para ir até lá.
Eu gosto de Maputo. Na minha opinião é uma cidade que está em processo de evolução e desenvolvimento. É preciso ter alguma paciência, é preciso aceitar a situação que é e trabalhar nela, ter esperança e fazer tudo para que um dia, nesta cidade, não se veja lixo no chão, o mar com uma cor cinzenta… que vejas cor na própria cidade porque Moçambique é cor, Moçambique é alegria, Moçambique é força, Moçambique é cheio de cor, de beleza, não é lixo, não é poeira. Moçambique não é isso e há que transportar essa visão para esta cidade. Eu acredito que algum dia ela vai ser assim. Acredito muito nisso!  

AM - Hoje em dia os portugueses ainda se lembram da medalha de prata que conquistou nos jogos olímpicos de 2008 na prova de triatlo? O que é essa medalha mudou na sua vida?

VF – Essa modalidade foi sempre aquela pela qual optei. Escolhi sempre o triatlo até ganhar a medalha. Depois parei durante uns tempos… Em 2016 fui aos jogos na maratona  do Rio de Janeiro e isso despoletou a vontade de querer voltar ao triatlo, de querer praticar novamente a modalidade e fazer mais uma época e construir uma nova carreira nesta modalidade. É por causa disso que estou cá novamente.

AM - A recente vitória do "Iron Man Portugal" significa que vai começar a apostar nas provas de longa distância?

VF – Significa que vou apostar em algumas porque me identifico muito com a distância e com a maneira como tem de se fazer aquela prova; de gerir, de nos superarmos de vez em quando, de aceitarmos a dor, de passarmos a dor, de passarmos pelo sofrimento, de acreditar que de um momento para o outro tudo está mal mas pode ficar bem… É isso que faz uma prova daquelas ser tão bela e tão única.

AM – Foi o desporto que a escolheu ou foi a Vanessa que escolheu o desporto?

VF – Nem sei… Acredito muito que nós já vimos para aqui com escolhas feitas. Ainda estou a descobrir, mas acredito nisso. Tanto família como o resto fui eu que escolhi. Vendo dessa forma, fui eu que escolhi o desporto. Não foi o desporto que me escolheu porque não tem esse poder sobre mim. Fui eu que o escolhi.

AM – Porquê o triatlo e não outro desporto qualquer?  

VF – Eu pratiquei muitas modalidades; atletismo, natação, andebol… Mas o triatlo foi aquela em que eu me senti completa a fazer, acreditei e confiei que era boa naquilo que fazia. Fez-me ser melhor do que aquilo que eu esperava.

AM – Se não fizesse do desporto a sua vida, qual seria a sua profissão?

VF – Em termos de profissão… Há várias que eu se calhar faria: uma delas era médica, ou terapeuta emocional… Algo do género. Apostava nisso e guiava-me por aí.

AM – Que conselhos quer deixar a futuros campeões?

VF – Todos somos campeões. Aconselho a que todos encontrem o seu ponto de equilíbrio em tudo o que façam. Não é por causa de seres campeão do mundo, de teres muito dinheiro ou por seres famoso que vais ser feliz, ou ter equilíbrio na tua vida. Não é por aí o caminho. O caminho é saberes ter uma vida equilibrada em vários aspetos porque tudo faz falta e tudo faz parte da própria vida. Foi isso que nos foi dado e há que saber respeitar a todos os níveis.

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