Como é estudar depois dos 30? O que leva as pessoas a voltarem aos
livros depois de já estarem a trabalhar? Quais são as principais
dificuldades com que se deparam? Albertino Veigas, Andreia Fernandes,
Rafaela Silva e Miguel Almeida são as vozes de quem quer reciclar
conhecimentos com o regresso aos livros.
Albertino Veigas, 40 anos, decidiu estudar depois de já ser
proprietário de um stand de automóveis, em Sintra. "Não sabia muito
sobre marketing e foi isso que me levou a adquirir mais bases para
continuar a desenvolver mais o meu negócio", explica. Resolveu investir
no curso de publicidade e marketing na Escola Superior de Comunicação
Social (ESCS) depois de se ter apercebido de que o negócio já não estava
a render.
Acredita que as experiências de vida são cada vez mais valorizadas no
mercado de trabalho. "Com novos conhecimentos a pessoa vai acrescentar
algum conhecimento à empresa, e, por isso, vai investir no local onde
trabalha", afirma. "A conjugação de um curso e da experiência de vida é
cada vez mais importante: é isso que vai acrescentar valor às
instituições", afirma. Acredita que deveria haver equilíbrio entre as
duas partes: por parte do licenciado e por parte da empresa. "Um jovem
que acaba um curso não tem a mínima noção de como se vai apresentar numa
entrevista de trabalho", refere.
No que respeita a esta questão Andreia Fernandes, 35 anos, também
estudante de publicidade e marketing, reconhece que cada vez é mais
acentuada a valorização do know-how por parte dos empregadores.
"Neste momento as empresas estão mais exigentes e pedem cada vez mais
requisitos: não basta ter só experiência profissional. Uma pessoa mais
completa tem as duas variantes: a de experiência profissional e a de
experiência pessoal", sublinha.
Rafaela Silva, 30 anos, estudante de literatura medieval, deixou de
trabalhar para se dedicar exclusivamente ao doutoramento. Reconhece a
importância dos estudos, mas ressalva a importância da experiência.
"Aquilo que vem nos livros nem sempre se aplica à vida do dia-a-dia,
pelo que tem de se ter a capacidade de adaptar o conhecimento teórico à
realidade", acrescenta.
Na sua opinião, as universidades deviam estabelecer mais acordos com
empresas que possibilitem uma aplicação prática daquilo que se aprende. A
estudante na Faculdade de Letras do Porto propõe ainda a criação de uma
"comissão que se encarregue de aproximar o mercado de trabalho às
universidades."
Criar métodos de estudo
Andreia Fernandes trabalhava no ramo automóvel quando ficou
desempregada há dois anos. Sem alternativas, decidiu reciclar os
estudos. O mais complicado foi reaprender a estudar e a adaptar-se aos
colegas mais novos: "Tento reencontrar um método de estudo e motivação
para aprender temas que já são conhecidos ou que considero que não têm
muita relevância. Tive também dificuldade em me adaptar a colegas de 18 e
19 anos de idade, uma vez que já não estou habituada a fazer trabalhos
de grupo, mas sim a liderar equipas".
De acordo com um estudo levado a cabo pelo pesquisador dinamarquês
Lars Larsen, da Universidade de Aarhus, a inteligência mantém-se estável
após os 20 anos de idade e, em alguns casos, pode aumentar com a idade.
Uma motivação para Andreia regressar aos livros: afinal o conhecimento
não está apenas ao alcance dos mais novos.
Já para Albertino Veigas a integração num ambiente com colegas mais
novos foi fácil: "sou encarado como um colega igual, em termos de
conversas e de brincadeiras". Reaprender a estudar foi mais difícil, mas
concluiu o primeiro semestre sem dificuldade. Admite que o método mais
eficaz que encontrou foi o de "entender aquilo que está a escrever." Os
trabalhos de grupo não são tarefa fácil porque não domina as novas
tecnologias. Afirma, no entanto, que acha engraçado fazê-los pelo
Facebook.
Rafaela Silva utiliza outros métodos de estudo que pensa responderem à
exigência de um doutoramento. "Tornei-me assídua nas bibliotecas, faço
fichas de leitura de forma a organizar ao máximo as minhas pesquisas e
estudo", explica.
Quando se tem pouco tempo para estudar, é preciso fazer uma boa
gestão do tempo. Miguel Almeida, trabalhador-estudante na Faculdade de
Direito de Lisboa, afirma que "um método que não dispensa na
aprendizagem é a presença nas aulas". Aos fins-de-semana tenta
planificar o tempo de acordo com o nível de dificuldade das cadeiras:
"dou prioridade a matérias mais complexas deixando as mais simples de
analisar para o fim". Recorre a esquemas porque o "curso requer
obrigatoriamente a necessidade de leituras extensivas e morosas". Lê
apontamentos e sebentas, muitas vezes disponíveis da Internet ou na
reprografia da faculdade.
Ensino superior e mercado de trabalho
Encontrar um curso num horário pós-laboral que seja compatível com o
horário profissional é outra dificuldade encontrada quando se estuda
depois dos 30.
"A questão dos horários é bastante discutida mas não existem
alternativas. Quem, durante o dia, exerce uma atividade profissional, só
pode frequentar aulas à noite", refere Miguel Almeida. Propõe uma
solução a esta falha: "as universidades deviam permitir que todos os
cursos fossem em regime diurno e noturno." Lamenta o facto de isso não
acontecer.
Miguel aponta ainda o desfasamento entre as universidades e as
exigências do mercado de trabalho. "O ensino nas universidades é, ainda,
muito teórico", afirma, pelo que é preciso existir uma maior
articulação entre o mercado de trabalho e o ensino universitário.
"Hoje em dia, é o licenciado que mostra à empresa qual é a sua
mais-valia na mesma. A empresa fica à espera que sejam as pessoas a
mostrar as suas capacidades e não diz o que espera do licenciado", diz
Albertino Veigas. Admite, ainda, que o facto de as empresas procurarem
licenciados com uma grande experiência na área, acaba por limitar os
jovens que acabam de se licenciar e não têm qualquer prática. Surge,
agora, outro tipo de recrutadores: "aqueles que preferem a falta da
experiência profissional, com o intuito de não levar determinados vícios
do emprego anterior".
Estas são as vozes de quem não desiste de investir em si, de quem já
trabalha, mesmo depois de ter mais de 30 anos. De quem, em duas
palavras: recicla conhecimentos.
Sem comentários:
Enviar um comentário